Ensino em tempo integral: será esta a educação do futuro?
De acordo com estudos e normas recentemente publicados e divulgados na mídia em geral, é sabido que a escola em período integral deve ser implantada em 50% das unidades de ensino público brasileiro, até o ano de 2024, de acordo com PNE – Plano Nacional de Educação, o qual estabelece metas a serem cumpridas nos próximos dez anos.
Entretanto, a qualidade dessa modalidade de ensino está comprometida, levando-se em conta as questões que envolvem contratação e formação de professores e funcionários que deverão atuar nas unidades escolares, adequação do prédio, aquisição de materiais pedagógicos e elaboração de projetos que contemplem as necessidades do novo currículo.
É preciso lembrar que a escola atual passa por inúmeras transformações e os gestores escolares devem considerar as necessidades típicas de cada demanda escolar. Muitas técnicas, práticas e conteúdos curriculares do vocacional “antigo” precisam ser repensados, adequados à nova geração que utiliza muito mais dos recursos tecnológicos comparando-se à época, onde viabilizavam-se metodologias quase que “artesanais”.
A educação do futuro é uma expressão um tanto “utópica” se considerarmos todas as questões de financiamento, estruturação física das escolas, formação de professores, aquisição de equipamentos e acolhimento de alunos com diferentes necessidades educativas, sendo estas últimas de ordem clínica, psicológica, social, entre outras.
O professor e o gestor escolar que tem consciência desses fatores devem refletir nas possibilidades da “escola do presente”, isto é, o que temos e o que devemos fazer para que a escola se torne hoje um lugar de aprendizado real e significativo? Quais as transformações são necessárias para que, hoje, possamos começar a construir a escola do futuro?
Um dos grandes entraves da escola brasileira está no fato de que os entes escolares pensam a educação de forma fragmentada. O gestor se preocupa em como administrar verbas e recursos humanos, o coordenador pensa apenas na parte pedagógica, enquanto o professor fica alarmado com baixos salários, salas lotadas e alunos indisciplinados.
Em contrapartida, a família cobra mais horas de estudo, pois não tem onde deixar seus filhos.
Enquanto não houver um movimento de reflexão e ação reativa em relação às parcerias escola-sociedade-família, creio que seja difícil planejar uma escola para o futuro.
O que falta para crianças e jovens desse século é justamente um modelo de sociedade mais ética, humana e colaborativa.
É difícil tratar desses temas dentro de uma escola que não esteja preparada, de forma integral, para executar um novo projeto de ensino pautado em tais questões.
Prioritariamente considera-se a formação de novos gestores e educadores que adotem posturas dinâmicas e atuais, como o uso de tecnologias, por exemplo.
Através dessas tecnologias é possível agregar conteúdos curriculares e extracurriculares de forma lúdica e eficiente, oferecendo reais oportunidades de aprendizado.
A educação praticada ainda hoje nas escolas está baseada em processos que remontam aos séculos XIX (equipamentos como quadro negro, giz, apagador, copias, ditados e etc) e instrutores e técnicos com formação efetuada no século XX para jovens do século XXI.
Esse paradigma nunca será superado enquanto as políticas públicas voltadas à educação brasileira não apresentarem propostas inovadoras, que favoreçam principalmente a valorização do professor.
O educador ainda usa lousa e giz, pois é o único equipamento oferecido pela escola. Este, contando com baixos salários e péssimas condições de trabalho, não possuem condições próprias para investir em sua formação, portanto, acaba fazendo uso das metodologias que aprendeu em seu curso de licenciatura do século passado, fundamentando em pedagogias tradicionais.
Os gestores, por sua vez, encontram uma escola defasada, com pouco (ou nenhum) recurso financeiro que satisfaça as necessidades existentes, por isso, oferece ao professor aquilo que tem no momento.
E a realidade é bem clara: não basta à escola somente o material humano, mesmo que este seja de primeira qualidade.
A legislação, todavia, estabelece metas que a escola pública é incapaz de alcançar, tendo em vista as inúmeras necessidades existentes.
Essas afirmações são facilmente comprovadas nos noticiários e através de índices como o IDEB (Índice do Desenvolvimento da Educação Básica) ou o PISA (International Student Assessment ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que compara as notas dos alunos em vários países, inclusive da Europa, EUA e Brasil.
Para que a escola atual, através dos preceitos da Vocacional, ou de qualquer outro modelo pautado nos paradigmas da educação sociointeracionista obtenha sucesso, é preciso que todo o sistema educacional brasileiro passe por profundas transformações, sejam elas de ordem financeira, estrutural, humana ou material.
Concebemos a escola como lugar de ensinar e aprender, em constante movimento de adequação, tanto às novas tecnologias, como em decorrência de um modelo de sociedade mais crítico.
Portanto, há que se pensar em discussões que produzam efeitos qualitativos e, para isso, as políticas públicas precisam prioritariamente, adotar novas posturas e novas didáticas, que vão desde os repasses monetários destinados à educação, até a valorização do professor enquanto profissional necessário e indispensável na formação de alunos que comporão a nova sociedade brasileira.
Conceito de Ensino em Tempo Integral no Brasil
Idealizada nas décadas de 1940 e 1950 por Anísio Teixeira, um dos pioneiros da Escola Nova, e mais tarde, por volta de 1980 por Darcy Ribeiro, a educação integral traz para os panoramas educacionais brasileiros, uma nova proposta de ensino e aprendizagem, conjeturando um país melhor e mais democrático e, consequentemente, mais educado.
Para que a Educação Integral seja compreendida e efetivamente aplicada, é necessário que se busque amparo na legislação vigente.
Na Constituição Federal, em seu artigo 250, os educandos têm garantido o direito à educação, sendo dever do Estado e da família, garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, assim como o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho.
De acordo com o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9.394/96, tal modalidade de ensino: “A jornada escolar no Ensino Fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivo ampliado o período de permanência na escola. [...] §2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino.”
Entretanto, o Plano Nacional de Educação (2001-2010) prevê que seja ampliada, gradualmente, a permanência dos discentes na escola, para no mínimo, sete horas diária.
Os direitos de obrigatoriedade ao acesso e à permanência na escola também são designados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu capítulo V, art. 53. Nele, a legislação reconhece que o desenvolvimento global da criança e do adolescente propõe ações protetivas articuladas entre os sistemas de ensino e o poder público, onde a escola é parte integrante e de fundamental importância no processo de ensino.
Contudo, para que tais ações sejam viabilizadas, fazem-se necessárias políticas públicas de financiamento e manutenção. Para isso, o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tem o objetivo de ampliar a oferta de vagas nas escolas regulares, assim como o financiamento da jornada escolar em período integral, no que se refere à Lei MEC nº II 494/2007 e a Portaria Interministerial nº 41/2007.
Através do convênio firmado entre Secretaria Municipal de Educação, o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) e o Programa “Mais Educação” será possível, gradativamente, a implantação da educação em período integral em toda a rede municipal de ensino.
O PDDE tem como principal objetivo oferecer assistência financeira às escolas de educação básica públicas, privadas e de educação especial, para a melhoria de suas infraestruturas, favorecendo a autogestão e buscando, através de projetos específicos, a elevação dos índices de desempenho dos alunos, conhecido como IDEB (índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Tais recursos financeiros são transferidos da União para as escolas, considerando o número de alunos matriculados no ano anterior ao repasse das verbas, conforme o censo escolar, realizado anualmente.
Instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7083/2010, o “Programa Mais Educação” tem como premissa a ampliação da carga horária escolar, assim como a reorganização do currículo, em uma perspectiva de Educação Integral.
“O Programa Mais Educação visa fomentar, por meio de sensibilização, incentivo e apoio, projetos ou ações de articulação de políticas sociais e implementação de ações socioeducativas oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens. [...]” (Manual Operacional de Educação Integral, pág. 5. MEC, 2013)
Essa é uma estratégia do MEC (Ministério da Educação e Cultura), na luta pela melhoria da qualidade do ensino, em todos os estados da federação e em todos os níveis da educação, uma vez que os últimos resultados de avaliações externas representaram, em todo o país, índices abaixo da média esperada.
Considerando as necessidades, características e peculiaridades de cada unidade escolar, é possível programar um currículo com atividades descritas nos macrocampos de acompanhamento pedagógico oferecidos pelo programa “Mais Educação”, sendo eles: educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.
Elementos Fundamentais Para a Implantação do Ensino em Período Integral
Objetivo Geral:
Planejar ações que promovam a melhoria da educação, em suas funções qualitativa e quantitativa, tendo em vista a garantia do acesso e da permanência na escola, favorecendo o êxito educativo, a socialização e a promoção dos direitos fundamentais implícitos na educação integral, com ênfase no exercício da cidadania e na formação individual e coletiva dos alunos.
Objetivos Específicos:
a) Expandir as oportunidades educativas dos alunos, visando ao aperfeiçoamento das habilidades e dos conhecimentos já construídos, bem como a ampliação dos mesmos;
b) Ampliar a melhoria qualitativa da educação ofertada, contribuindo com o acesso e a permanência dos alunos na unidade escolar;
c) Equipar a escola, tendo em vista as necessidades materiais e de recursos humanos imprescindíveis ao desenvolvimento dos projetos pedagógicos.
d) Fornecer alimentação e transporte para os alunos que residem a 2 quilômetros de distância da unidade escolar, tendo em vista o difícil acesso em virtude da localidade;
e) Estimular a formação continuada dos professores, garantindo a melhoria e a inovação dos conteúdos trabalhados;
f) Proporcionar oportunidades de reflexão, estimulando ações de cidadania, incentivando a qualidade de vida e desenvolvimento dos educandos;
g) Despertar o espírito colaborativo entre alunos, professores e funcionários da unidade escolar;
h) Introduzir, consolidar e ampliar habilidades e competências relativas aos conteúdos curriculares e extracurriculares;
i) Ofertar aos estudantes atividades complementares de alfabetização, letramento e conhecimentos matemáticos relevantes e significativos;
j) Oportunizar o planejamento de projetos didáticos e pedagógicos voltados às áreas artísticas, esportivas, literárias, científicas e lúdicas, onde os alunos possam construir e ampliar seus conhecimentos de forma multi e interdisciplinar;
k) Melhorar o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – da escola e, consequentemente, do município.
Operacionalização e implantação do Ensino em Tempo Integral
O processo de implantação do ensino em período integral exige um profundo estudo e o planejamento das etapas de operacionalização, que prevejam desafios e problemas a serem enfrentados, tanto em relação aos recursos materiais, espaços físicos disponíveis, recursos humanos, dentre outros a serem considerados.A elaboração de projetos e estratégias de ensino passa, primeiramente, pela idealização de ações que favoreçam a execução desses projetos. Tais ações podem ser definidas partindo do pressuposto de que não necessárias algumas práticas, como abaixo descritas:
Definição das Oficinas
A escolha das Oficinas e projetos a serem implantados deve partir das necessidades educativas dos alunos, contando com a participação de todos os integrantes da equipe escolar, considerando também os aspectos físicos, humanos e sociais presentes na escola.
Adequação e ampliação do espaço físico
Para atender a demanda de alunos matriculados e favorecer o acolhimento durante o período integral, a unidade escolar deve estar preparada, fisicamente, para atender à demanda das Oficinas e atividades extraclasse.
Formação do Quadro de Pessoal
A contratação de profissionais do quadro do magistério e apoio escolar ficará delegada à Secretaria Municipal de Educação, de acordo com a necessidade da escola.
Infraestrutura
Além da adequação do prédio escolar e dos recursos humanos e materiais, é importante ressaltar a necessidade de planejamento e monitoramento das seguintes questões:
· Aquisição e confecção de material pedagógico para as Oficinas;
· Aquisição de materiais de consumo;
· Aquisição de móveis e equipamentos;
· Avaliação para ampliação da oferta de transporte escolar;
· Aquisição de gêneros alimentícios, de acordo com o cardápio da Merenda a ser oferecida durante o período integral;
Propostas Pedagógicas e Administrativas
A educação em período integral requer o replanejamento das ações administrativas e pedagógicas. É importante ressaltar que a elaboração do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar passará por algumas alterações, para que contemple novas abordagens, metodologias e projetos. Incluem-se em tais mudanças, a definição do currículo das Oficinas; o planejamento de práticas avaliativas e a reestruturação de metodologias.
Avaliação Contínua e Monitoramento das aprendizagens
a) O monitoramento das práticas pedagógicas será feito através de reuniões periódicas com a Equipe Escolar, contando com a participação dos professores do ensino regular e daqueles que ministram as Oficinas.
b)Controle mensal de frequência e rendimento dos alunos;
c) Elaboração de instrumentos avaliativos do rendimento dos alunos e do êxito nas Oficinas;
d) Acompanhamento do desempenho escolar, através de atividades diversificadas;
e) Reuniões semanais de professores e Equipe Gestora, para momentos de formação, troca de experiências, estudos e elaboração de documentos;
f) Reuniões bimestrais com pais e familiares dos alunos;
g) Reuniões periódicas com os membros do Conselho de Escola e A.P.M.;
h) Elaboração de documentos e registros para reflexão e replanejamento das ações pedagógicas e administrativas.
Replanejamento
O replanejamento das ações pedagógicas e administrativas se dará a partir dos resultados obtidos no decorrer do ano letivo. É importante considerar os aspectos negativos e positivos do primeiro ano (ou semestre) letivo, os quais direcionarão novas ações para a adequação e melhoria nos projetos desenvolvidos.
A partir desses resultados, é possível revisar os pontos relevantes, comparar resultados e estruturar novos projetos.
Projetos de Trabalho (Oficinas)
O desenvolvimento das oficinas se dará a partir de projetos previamente planejados, de acordo com as necessidades educativas dos alunos, considerando as adequações de recursos pedagógicos, humanos, físicos e financeiros da unidade escolar.
Também devem ser considerados os reagrupamentos de alunos, para que o intercambio de conhecimentos, a socialização e a cooperatividade sejam favorecidas de forma efetiva e significativa.
Os alunos reagrupados poderão interagir entre si, transitando pelas salas-ambiente (também chamadas de “Ambientes de Convivência”), tendo um melhor aproveitamento do espaço escolar e das atividades propostas para cada grupo.
As oficinas cadastradas para o ano letivo de 2015 oferecem diferentes possibilidades organizativas do trabalho pedagógico. Para tanto, foi escolhida a modalidade de Projetos Pedagógicos para o desenvolvimento dos conteúdos extracurriculares implícitos nas Oficinas, de acordo com o macrocampo do qual pertencem.
O trabalho a partir de Projetos tem como objetivo principal a abordagem global e integrada do conhecimento. Seu desenvolvimento propicia o planejamento intencional e sistematizado, que passa por etapas preestabelecidas, de acordo com CRUZ (2007):
Definição da Intencionalidade do Projeto
O corpo docente, ao definir os temas a serem trabalhados, precisa propor questões reflexivas a serem enfrentadas, tais como: “Que contribuições o projeto terá para o desenvolvimento dos alunos?” ou ainda, “Que relevância tem esse projeto?”, assim como “Qual será o produto final desse trabalho”.
Planejamento das Ações
Planejar as etapas e as ações necessárias para a realização de cada projeto envolve destacar a problematização envolvida no tema. Isso significa que o tema gerador deva privilegiar situações, conteúdos e atitudes em que os alunos encontrem dificuldade em resolver.
A princípio, a avaliação diagnóstica inicial deve ser adotada como instrumento facilitador na investigação de tais dificuldades. Partindo de seus resultados, é possível planejar as etapas necessárias para atingir os objetivos propostos em cada Oficina.
Embora tenha sido previamente planejado, as etapas do Projeto poderão sofrer alterações no decorrer de seu desenvolvimento. Isso ocorre porque, à medida que vão sendo superadas, novas necessidades educativas podem surgir no decorrer do processo e devem ser contempladas pela equipe pedagógica.
Outro aspecto a ser considerado é o trabalho interdisciplinar. As Oficinas devem abordar temas que contemplem conteúdos multidisciplinares, e os projetos de trabalho precisam estar em consonância com as demais disciplinas do currículo regular. Essa postura, além de dinâmica, favorece a continuidade dos estudos, ampliando os conhecimentos construídos em sala de aula e promovendo a inter relação entre os temas trabalhados.
Autoras:
FERRAZ, Helena C. e LACERDA, Lygia de A.. Campo Limpo Paulista, São Paulo, 2015.
Nota: O presente texto é parte integrante e foi adaptada a partir do Projeto de Implantação do Ensino em Período Integral, elaborado pela Equipe Gestora da E.M.E.F.E.I. Lázaro Gago, no início do ano letivo de 2015.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Organização dos textos, notas
remissivas e índices por Juarez de Oliveira, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1993.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/1996.
Brasília, 1997.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de
Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Manual Operacional de Educação Integral.
Brasília, 2013.
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