domingo, 19 de março de 2017

A Pequena Vendedora de Fósforos


(Hans Christian Andersen)
Recontado por Christiane Angelotti





Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano.
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas.
Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando.
Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo.
Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio.
Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão.
Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel.
Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria!
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso.
Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
Sim: nisso ela pensava!
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão.
O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
Suas mãozinhas estavam duras de frio.
Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz!
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se.
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha...
Que
luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa.
Como o fogo ardia! Como era confortável!
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado.
Riscou um segundo fósforo.
Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito! 


Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo.
"Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.
Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna. 
- Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo! Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar! Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal! 
E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus.
Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho.
O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver.
A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes.
Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano ­Novo.


Curiosidades

Esse conto nos faz refletir questões importantes como: o abandono, a miséria, a fome, a indiferença, a inveja, a exclusão.
É importante que pensemos nessas questões e no que podemos fazer para ajudar a tornar a vida do nosso próximo e por conseqüência, a nossa melhor.
Que as pequenas e os pequenos vendedores de fósforo tenham histórias lindas, cheias de amor, compaixão, ajuda, carinho e felicidade.
Sugerimos algumas atividades para trabalhar esse lindo conto:
- Fazer um mural com recortes de jornais e revistas que retratem situações semelhantes às vividas pelo personagem do conto e discuti-las em classe,
- Propor a produção de um final feliz para o conto,
- Trabalhar o Estatuto da Criança e do Adolescente,
- Promover uma campanha de agasalhos e alimentos para alguma comunidade próxima.



Hans Christian Andersen





Hans Christian Andersen nasceu em Odense, Dinamarca, no dia 02 de abril de 1805.
Filho de um pobre sapateiro e de mãe analfabeta, teve uma infância humilde e cheia de dificuldades. Morava com os pais, a irmã e uma avó. Teve no seu pai, um contador de histórias que além de contá-las as encenava. O que lhe proporcionava diversão e incentivava a criatividade.
Quando criança sentia-se meio desengonçado e sofria complexo por ser alto demais para a idade.
Aos 9 anos sofreu com a morte do pai. Sua mãe era bastante problemática e negligente o que acabou colaborando para que Andersen decidisse fugir de casa. Com apenas 14 anos, fugiu para Copenhague e lá depois de passar por muitas dificuldades conheceu o diretor do Teatro Real, Jonas Collin . No teatro teve várias ocupações, foi bailarino, corista, autor de tragédias. Enquanto isso, seus estudos eram financiados por Jonas Collin.
Em 1828 ingressou na Universidade de Copenhague e durante 7 anos escreveu poesias e buscou realização na literatura.
Alcançou grande êxito como escritor em 1835 quando publicou seu primeiro livro de história infantil. Foi quando descobriu que seu verdadeiro talento estava na literatura infantil.
Ao todo Andersen escreveu 156 contos para crianças.
Acredita-se que o autor tenha tido grande afinidade com as crianças, também por se identificar mais com as mesmas do que com os adultos. Conta-se que Andersen passava horas contando histórias para crianças, brincando e ouvindo-as.
Entre as suas histórias mais conhecidas podemos destacar: 

O Patinho Feio
 A Pequena Sereia
O Soldadinho de Chumbo
As Roupas Novas do Imperador
A Colina dos Elfos
A Pastora e o Limpador de Chaminés
A Polegarzinha.

O autor faleceu em 1875 em Copenhague.
Em
suas obras Andersen demonstra a influência do Romantismo recheando suas histórias de ternura, caridade e generosidade. O autor transportava para as suas personagens características marcantes da sua época.
Andersen foi considerado o percursor da literatura mundial e em virtude disso no dia que marca da data de seu nascimento é comemorado também o Dia Internacional da Literatura Infanto-Juvenil.
Anterior a Andersen também se destacaram na literatura infantil o autor francês, Charles Perrault e os alemães, Irmãos Grimm. Porém, Andersen foi considerado o primeiro autor infantil em razão das suas histórias serem criadas por ele, enquanto os outros autores fizeram um levantamento de histórias populares que faziam parte do folclore e eram contadas oralmente em diversos países.
Em 2005 a Dinamarca irá celebrar os 200 anos do nascimento de Hans Christian Andersen. Nós aqui deixamos o nosso imenso agradecimento a esse incrível autor.



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