terça-feira, 16 de abril de 2013

Especial "Monteiro Lobato" - 1ª parte: Bibliografia e Acusação de Racismo

"Pedrinho, na varanda, lia um jornal. De repente parou, e disse a Emília, que andava rondando por ali:
— Vá perguntar a vovó o que quer dizer folclore.
— Vá? Dobre a língua. Eu só faço coisas quando me pedem por favor.
Pedrinho, que estava com preguiça de levantar-se, cedeu à exigência da ex-boneca.
— Emilinha do coração — disse ele — faça-me o maravilhoso favor de ir perguntar à vovó que coisa significa a palavra folclore, sim, tetéia?
Emília foi e voltou com a resposta.
— Dona Benta disse que folk quer dizer gente, povo; e lore quer dizer sabedoria, ciência. Folclore são as coisas que o povo sabe por boca, de um contar para o outro, de pais a filhos — os contos, as histórias, as anedotas, as superstições, as bobagens, a sabedoria popular, etc. e tal. Por que pergunta isso, Pedrinho?
O menino calou-se. Estava pensativo, com os olhos lá longe. Depois disse:
— Uma idéia que eu tive. Tia Nastácia é o povo. Tudo que o povo sabe e vai contando, de um para outro, ela deve saber. Estou com o plano de espremer tia Nastácia para tirar o leite do folclore que há nela.
Emília arregalou os olhos.
— Não está má a idéia, não, Pedrinho! Às vezes a gente tem uma coisa muito interessante em casa e nem percebe.
— As negras velhas — disse Pedrinho — são sempre muito sabidas. Mamãe conta de uma que era um verdadeiro dicionário de histórias folclóricas, uma de nome Esméria, que foi escrava de meu avô. Todas as noites ela sentava-se na varanda e desfiava histórias e mais histórias. Quem sabe se tia Nastácia não é uma segunda tia Esméria?
Foi assim que nasceram as Histórias de Tia Nastácia."
(Trecho do Livro "Histórias de Tia Nastácia, Monteiro Lobato)


18 de abril - Aniversário de Monteiro Lobato
Dia Nacional do Livro Infantil
JOSÉ BENTO MONTEIRO LOBATO
(1882 - 1948)



Escritor brasileiro nascido A 18 de abril de 1882, em Taubaté, SP, expressão máxima da literatura infantil brasileira. Filho do fazendeiro José Bento Marcondes Lobato e de dona Olímpia Augusta Monteiro Lobato, além de inventor e maior escritor da literatura infanto-juvenil brasileira, tornar-se-ia um dos personagens mais interessantes da história recente desse país.


Seus primeiros estudos foram feitos em Taubaté, transferiu-se para São Paulo matriculando-se na Faculdade de Direito pela qual se bacharelou (1904). Depois residiu durante sete anos em Areias, SP, onde trabalhou como promotor público. Abandonou o cargo e, por algum tempo, viveu na fazenda que herdara do avô. Nessa época começou a publicar os primeiros contos em O Estado de S. Paulo. Comprou a Revista do Brasil (1917), da qual já era colunista e nela editou sua primeira coletânea de contos, Urupês (1917), criando o personagem Jeca Tatu.


O livro trouxe-lhe finalmente a fama, e algum tempo depois, o grande autor passou a se dedicar a à literatura infantil (1921), onde escreveu obras de grande imaginação, em que se valeu de recursos ficcionais como veículos didáticos da matemática, da geografia, da história e das ciências, entre eles Reinações de Narizinho (1921), O saci (1921), O marquês de Rabicó (1922), A caçada da onça (1924), Viagem ao céu (1932), Novas reinações de Narizinho (1933) e O Pica-Pau Amarelo (1939), que fizeram a alegria e paixão de muitas gerações de crianças no Brasil.


Essas histórias desenvolviam-se em um local imaginário, o sítio do Pica-Pau Amarelo, habitado por uma encantadora galeria de tipos como a irreverente Emília, o sentencioso Visconde de Sabugosa, a bondosa e disciplinadora Dona Benta, o marquês de Rabicó, envolvidos com muitos personagens do folclore e lendas brasileiras. Na política foi caracterizado como um intelectual engajado na causa do nacionalismo.


Adido comercial nos Estados Unidos (1926-1931), de volta ao Brasil, publicou América (1932) e deu início a uma campanha nacionalista pela produção de aço e petróleo. Simpatizante comunista, publicou também O escândalo do petróleo e do ferro (1936) e tentou, sem êxito, organizar uma companhia petrolífera mediante subscrições populares, o que lhe valeu uma condenação pelo Tribunal de Segurança Nacional a seis meses de prisão.


Após cumprida a metade da pena, foi libertado e mudou-se para a Argentina, mas logo voltou a morar no Brasil. Crítico de costumes, no qual não falta a nota do sarcasmo e da caricatura, em sua obra há livros de ficção e outros sobre questões sociais, políticas e econômicas, mas todos apresentam caráter nacionalista e interesse pelos problemas do país e pela construção de seu futuro.


Esta luta pelo petróleo acabaria por deixá-lo pobre, doente e desgostoso. Morreu na madrugada de 5 de julho (1948) na capital de São Paulo, de um acidente vascular, e sob forte comoção nacional, seu corpo é velado na Biblioteca Municipal e o sepultamento realizado no Cemitério da Consolação. Além de Urupês, destacam-se Cidades mortas (1919), Negrinha (1920), A onda verde (1921) e O macaco que se fez homem (1923).


Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/BIOGVINC.htm




Mais sobre Lobato



Biografia, obras e estilo literário

Contista, ensaísta e tradutor, este grande nome da literatura brasileira nasceu na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, no ano de 1882. Formado em Direito, atuou como promotor público até se tornar fazendeiro, após receber herança deixada pelo avô. Diante de um novo estilo de vida, Lobato passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas, sendo que, posteriormente, reuniu uma série deles em Urupês, obra prima deste famoso escritor.

Em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, Monteiro Lobato tornou-se também editor, passando a editar livros também no Brasil. Com isso, ele implantou uma série de renovações nos livros didáticos e infantis.

Este notável escritor é bastante conhecido entre as crianças, pois se dedicou a um estilo de escrita com linguagem simples onde realidade e fantasia estão lado a lado. Pode-se dizer que ele foi o precursor da literatura infantil no Brasil. 




Suas personagens mais conhecidas são: Emília, uma boneca de pano com sentimento e idéias independentes; Pedrinho, personagem que o autor se identifica quando criança; Visconde de Sabugosa, a sabia espiga de milho que tem atitudes de adulto, Cuca, vilã que aterroriza a todos do sítio, Saci Pererê e outras personagens que fazem parte da inesquecível obra: O Sítio do Pica-Pau Amarelo, que até hoje encanta muitas crianças e adultos.

Escreveu ainda outras incríveis obras infantis, como: A Menina do Nariz Arrebitado, O Saci, Fábulas do Marquês de Rabicó, Aventuras do Príncipe, Noivado de Narizinho, O Pó de Pirlimpimpim, Reinações de Narizinho, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática, Memórias da Emília, O Poço do Visconde, O Pica-Pau Amarelo e A Chave do Tamanho.

Fora os livros infantis, este escritor brasileiro escreveu outras obras literárias, tais como: O Choque das Raças, Urupês, A Barca de Gleyre e o Escândalo do Petróleo. Neste último livro, demonstra todo seu nacionalismo, posicionando-se totalmente favorável a exploração do petróleo apenas por empresas brasileiras.

No ano de 1948, o Brasil perdeu este grande talento que tanto contribuiu com o desenvolvimento de nossa literatura.




Frases de Monteiro Lobato

"De escrever para marmanjos já estou enjoado. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo."


 "É errado pensar que é a ciência que mata uma religião. Só pode com ela outra religião."



"O livro é uma mercadoria como qualquer outra; não há diferença entre o livro e um artigo de alimentação. (...) Se o livro não vende é porque ele não presta".
 "Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos."









LOBATO É ACUSADO DE RACISMO

"Mais uma obra de Monteiro Lobato é questionada por suposto racismo"

Matéria do portal G1, publicada em 25/09/2012

Capa de edição do livro de contos "Negrinha",
lançado em 1920 (Foto: Reprodução)

Após "Caçadas de Pedrinho", agora o livro "Negrinha", do escritor Monteiro Lobato, é alvo de movimentos sociais que pretendem barrar a sua distribuição pelo governo por suposto conteúdo racista e sexista. Nesta terça-feira (25), o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) protocolou representação na Controladoria-Geral da União (CGU) pedindo que as obras deixem de integrar o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que distribui livros a bibliotecas escolares do país.

A assessoria de imprensa da CGU confirma o recebimento do documento e diz que técnicos irão avaliar seu conteúdo antes de a controladoria se manifestar. O MEC, responsável pelo programa de distribuição, disse que ainda não foi notificado e não comentou o teor da representação.



A ação foi apresentada no mesmo dia de uma reunião do instituto com o Ministério da Educação. O encontro – que durou cerca de três horas, na sede do ministério – terminou sem acordo. No centro da discussão está um mandado de segurança impetrado pelo Iara no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a aquisição do livro "Caçadas de Pedrinho" pelo PNBE. O Iara também alega que há elementos racistas na obra.

O ministro que analisa o caso, Luiz Fux, poderá convocar uma nova audiência de conciliação entre as partes ou optar por levar o processo ao plenário do tribunal. Na reunião desta terça, a nova ação contra "Negrinha" não foi tratada.


Saiba mais
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'Mulatinha escura'
"Negrinha" foi adquirido pelo governo federal em 2009 e 2010 por meio do PNBE. A obra, lançada em 1920, reúne 22 contos de Monteiro Lobato. A personagem principal é uma criança órfã de sete anos "mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados", diz o texto da obra.

De acordo com o diretor do Iara, Humberto Adami, a "negrinha" sofre violência diária de sua patroa. "Todo dia ela [negrinha] apanhava. Você tem sucessivas retratações do personagem com espancamentos diários e sem explicar que aquilo você não pode fazer", afirmou Adami.

O Iara pede que a CGU analise se há improbidade administrativa na aquisição de "Negrinha", uma vez que o PNBE veta obras didáticas consideradas preconceituosas.

"O PNBE diz que não pode haver obras didáticas financiadas com o dinheiro publico que contenham preconceito ou estereótipo. Então como qualquer ato da administração pública que não está sendo cumprido, esses atos são fiscalizados e controlados pela CGU", diz Adami.

Ainda de acordo com diretor do instituto, no livro adquirido pelo governo, da Editora Globo, há uma nota de apresentação que afirma não haver racismo nas obras de Monteiro Lobato. "A nota é tão contraditória que diz que não há nenhum racismo na obra de Monteiro Lobato. Ao contrário do que se diz que queremos censurar a obra, a obra tem que circular com o esclarecimento para desconstruir o racismo", declarou o diretor do Iara.

Impasse

Os autores das ações contra "Caçadas de Pedrinho" e "Negrinha" pedem ainda que qualquer livro com teor semelhante adotado pelo MEC tenha uma nota explicativa. Elaborada por especialistas do ministério, essas notas serviriam de suporte para que os professores promovam uma educação antirracista.

Humberto Adami, do Iara, defende ainda que os professores sejam preparados para lidarem com educação sobre relações étnico-raciais dentro da sala de aula.

O MEC diz ser suficiente parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologado pelo ministro da Educação em 2011 que orienta e obriga o professor a contextualizar em sala de aula todas as obras de valor histórico e literário.

"O MEC não admite censura de obras do Monteiro Lobato e vai defender essa posição junto ao STF", afirmou o secretário de Educação Básica, Cesar Callegari, após reunião com o Iara.

Para Humberto Adami, a orientação do Conselho Nacional de Educação não é suficiente. "Você não pode deixar isso para o professor resolver isso sozinho na sala de aula. O PNBE é uma obrigação, e com o novo parecer isso passa a ser uma recomendação. O MEC está dizendo que vai distribuir os pareceres. Isso não é nada. É muito bonito, mas eu acho que é muito pouco. Isso não vai implantar política pública", afirmou.

O secretário admitiu a possibilidade de o ministério intensificar a divulgação das normas para orientação. "Nos comprometemos a dar mais visibilidade, intensificar a divulgação do parecer", disse Callegari.







EM DEFESA DE LOBATO


Entrevista: João Luís Ceccantini

'Censurar Monteiro Lobato é analfabetismo histórico'

Estudioso chama de absurda tentativa de proibir livros do autor, acusado de racismo, e diz que crianças sabem absorver o que historias têm de melhor

Nathalia Goulart

O que o senhor acha da tentativa de banir a obra de Monteiro Lobato das escolas públicas? Trata-se de analfabetismo histórico, que despreza o tempo em que determinadas obras foram escritas. Querer censurar ou modificar em algum grau uma obra cultural é um absurdo. Deve-se ainda observar outra questão: temos de fato uma educação tão deficitária a ponto de os professores serem incapazes de ajudar os alunos a interpretar passagens que eventualmente façam uso de uma linguagem que já não é mais aceita? Por que não usar esse pretexto para discutir em sala de aula o racismo? É uma grande oportunidade.
O senhor tem um trabalho extenso na área de literatura infantil e acompanha de perto o envolvimento das crianças com a leitura. De que maneira elas são influenciadas pelo que leem? Em primeiro lugar, a ficção não tem esse poder todo que a gente imagina. A transferência dos exemplos não é tão automática assim. Em resumo: o fato de eu ler uma história de ficção não significa que vou sair por aí reproduzindo um comportamento da ficção. Se fosse assim, bastava escrever livros com histórias boas e puras para que construíssemos uma sociedade perfeita. Mesmo com a criança, essa transferência não é automática. Eu tenho estudado a forma pela qual as crianças absorvem o que leem e minha conclusão é que elas sabem identificar os excessos dos livros, elas se apegam ao que é bom, à essência da história – e, no caso de Lobato, essa essência não é racista. As crianças entendem que a passagem "macaca de carvão" não faz discriminação com Tia Nastácia, porque essa não é a essência do livro. Ao contrário do que possa parecer, a criança é seletiva. Mais seletiva do que muitos críticos.
Tia Nastácia é retratada ao longo da obra de Lobato de forma bastante positiva. Não é exagero acusar o autor de racismo nesse caso? Sem dúvida. Tia Nastácia é tratada de forma muito amorosa em toda a obra de Lobato. Existem milhares de citações afetivas em relação à personagem, que tem uma função crucial na vida dos demais personagens: eles recorrem a ela em busca de conselho, de carinho. Devemos observar ainda que Lobato usa Tia Nastácia como pretexto para criticar a superstição, a religiosidade e o excesso de crença no sobrenatural. Mas não há nenhum traço de ódio racial nessas passagens.
Cartas de Lobato reveladas recentemente mostram a simpatia do autor por teses da eugenia (corrente que defendeu o aperfeiçoamento da espécie por meio da seleção genética e controle da reprodução). Isso deve de alguma foram permear a análise que se faz da obra do autor? Lobato foi, acima de tudo, um humanista. Ele lutou pela igualdade, pela democracia e não há um só episódio que o ligue a corrupção em alguma esfera. E ele sofreu muito por isso. Decepcionado com os rumos que o país tomava já naquela época, ele foi um crítico ferrenho do Brasil. Em relação às cartas, não podemos esquecer que todos nós somos frutos da época em que vivemos. Os pensamentos que ele exprimiu nos seus textos eram muito comuns naquela época, como a eugenia. Outros escritores que eram celebridades naquele tempo tinham ideias semelhantes, mas eles não sobreviveram ao tempo. Portanto, pintar Monteiro Lobato como racista é um erro.
O senhor já tinha assistido a discussões semelhantes sobre as obras de Lobato?Nenhuma controvérsia envolvendo Lobato é novidade para mim. Ele era uma figura extremamente complexa, e isso faz dele um alvo fácil. Aconteceu em diversos momentos da história. Não se pode perder de vista que estamos falando de um dos maiores escritores brasileiros: se tivesse escrito em inglês, seria um dos maiores de sua época. Sua literatura infantil é de uma riqueza incomparável. Mas, como eu disse, ele é um fruto de seu tempo, como todo nós, aliás. Se sua obra ajudar a discutir o racismo, então vamos discutir – não censurar.
Há casos semelhantes de tentativas de censura na literatura infantil? O caso mais notável é o do autor americano Mark Twain (de cuja obra tentou-se suprimir o termo "nigger", considerado racista em inglês). Mas acredito que tudo isso tem um lado positivo. A literatura costuma circular entre grupos muito pequenos: quando a democracia se fortalece e o nível de letramento da população cresce, temas como esse vêm à tona. O que não pode haver é uma caça às bruxas. Se formos censurar tudo, comecemos por Homero, na Antiguidade: ninguém saíra ileso.
Qual o prejuízo de suprimir palavras ou reescrever trechos de uma obra literária?Reescrever a história é uma das coisas mais nefastas que pode haver.
Uma das propostas do instituto que tenta proibir a distribuição de Caçadas de Pedrinhoé enviar o livro para as escolas com um anexo que aponte as passagens consideradas racistas. O senhor concorda com esse "guia de leitura"? Se for o preço a pagar para garantir que a obra de Lobato continuará circulando, que coloquem a tal nota explicativa. O problema, contudo, é que assim criaríamos um modelo editorial que supõe que o leitor é bobo e incapaz de chegar a suas próprias conclusões. Não sei em que medida isso é bom. Um dos grandes fascínios da literatura é permitir múltiplas leituras.



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