Nesta escola não existe o aluno
18, da sexta série B.
Existe, é claro, o Ricardo que
tem olhos azuis e é filho do Sr. Guilherme e de dona Margarida. Ricardo é um
menino inteligente, vivo, brincalhão ainda que tenha sérias dificuldades para
perceber com clareza os limites que separam seus anseios de liberdade e os que
a escola está buscando estruturar. Resiste como toda criança inteligência o
faz, mas seu progresso é indiscutível, sobretudo depois que conversando com o
Sr. Guilherme e dona Margarida pudemos mostrar que toda escola é uma
continuidade do lar. Não apresenta qualquer dificuldade de aprendizagem, mas
como não gosta muito de estudar e, por isso, necessita de reforço, já
providenciado, em algumas disciplinas. Estamos pensando sempre no futuro de
Ricardo, mas em nenhum instante esquecemos seu presente e, por isso, sem que
saiba consome nossas discussões e nossas preocupações em fazê-lo cada vez mais
feliz, cada vez mais envolvido no que aprende e na indispensável relação entre
o saber e o viver.
Nesta escola não existe o
professor de Matemática, da sexta série B.
Existe o Luiz Henrique que ensina
disciplina para essa série e que nos interessa tanto quanto profissional como
por seus valores humanos. Investimos com firmeza em seu aperfeiçoamento,
instigamo-lo a crescer sempre e aprender cada vez mais e mostramos com
insistência que o prazer com que divaga pelos números e pelas formas
geométricas deve ser o mesmo com que mergulha nos segredos da aprendizagem e
nos valores de uma avaliação formativa. Luiz Henrique tem duas filhas e
atravessa momento difícil em sua relação com Márcia sua esposa. Sabemos de suas
dificuldades e com extremo respeito para não atravessarmos a tênue barreira
entre seu direito à privacidade e sua necessidade de ajuda, colocamos nosso
serviço de orientação psicológica ao seu dispor. Confiamos em nossos mestres e
sabemos que para torná-los ainda melhores é preciso ajudá-lo muito, cuidar
sempre de seu trabalho e de sua segurança, de sua alegria em ensinar e sua
imensa vontade em viver.
Nesta escola não existe a
funcionária do turno da manhã que cuida da limpeza dos banheiros.
Existe a senhora Ivani que
desempenha essa função, mas que para nós não é, e jamais será apenas um vago
Recurso Humano, mas pessoa viva e capaz que merece nossa atenção, tanto quanto
a merecem pessoas como Ricardo e Guilherme, Margarida e Márcia, Luiz Henrique e
outros muitos. Sabemos que em sua tarefa de cuidar, a senhora Ivani é
importante educadora e por isso mesmo ao contratá-la analfabeta, orgulhamo-nos
de ensiná-la e de com seu crescer, fortalecer sua auto-estima e encontrar a
dignidade no importante trabalho que executa. Sua saúde nos preocupa e, por
esse motivo, cuidamos de forma permanente de sua educação alimentar, da higiene
no lar e no trabalho e na medida do possível, buscamos ajudá-la em sua vida
como mãe e como mulher, pois sabemos que quanto mais crescer, mais fará pela
obra maravilhosa do crescimento de todos nós.
Nesta escola não existe...
Desculpe a divagação. Melhor
seria pisar fundo na terra, descer dessa cavalgada de sonhos pela escola que
buscamos e crer que a frase ficaria melhor composta se disséssemos “esta escola
não existe”. Entretanto não é necessário renunciar a esperança e nem
acreditar que a crua realidade seja menos fantasiosa que a delícia do sonho, e
assim pensar: que pena, essa escola “ainda” não
existe.
(Celso Antunes)
Nenhum comentário:
Postar um comentário