quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Com o mundo nas mãos





            Bernardo tem cinco anos, mas já sabe da existência do Japão. E  aponta para o céu com o dedo:
- É atrás daquele teto azul que fica o Japão?
            Tenho de explicar-lhe que aquilo é o céu, não é teto de nenhum (...)
            Na primeira oportunidade compro e trago para casa um mapa-múndi. (...) O menino não lhe deu muita importância, quando apontei nele o Japão e a Inglaterra, o Brasil, os países todos. Limitou-se a fazê-lo girar doidamente, aos tapas, até que se desprendesse do suporte de metal. Consegui convencê-lo a ir destruir outro brinquedo, o secador de cabelo da mãe, por exemplo, que faz um ventinho engraçado – e assim que eu me vi só, tranquei-se no escritório para apreciar devidamente a minha nova aquisição.
            Como todo mundo nas mãos, descobri coisas de espantar. Descobri que a Coréia é muito mais lá para cima do que eu imaginava – uma espécie de penduricalho da China, ali mesmo no costado do Japão... (...) a Tasmânia não tem. Pelo menos não encontrei. (...)
Duvido que alguém me diga onde fica Andorra (...) Pois fica logo aqui, encravada entre a França e a Espanha, um paisinho de nada, vê quem pode. Em compensação a Antártida é muito maior do que eu pensava (...) E é bem no centro dela que eu tenho de soprar para encher o mundo.
            De repente me vem uma idéia meio paranóide. De tanto apalpar o globo de plástico, ele acabou meio murcho, acho que o ar está se escapando. E quando me disponho a enchê-lo de novo, imagino que eu seja um ser imenso solto no espaço, botando a boca no mundo para enchê-lo com meu sopro.
            O nosso planeta é mesmo é mesmo uma bolinha perdida no cosmo, e do tamanho desta que tenho nas mãos é que os astronautas devem tê-lo  visto da Lua: uma linda esfera de manchas coloridas, com seus oceanos cheios de peixes e singrados por navios, as cidades agarradas aos continentes, ruas cheias de automóveis, casas cheias de gente, o ar riscado de aviões, de gaivotas, e de urubus... Tudo isso pequenino, insignificante, microscópico, os homens se explorando mutuamente, se maltratando (...). Que aventura mais temerária, a de Deus, escolhendo caprichosamente este lindo e insignificante planetinha para a ele enviar através dos espaços o seu Filho feito homem, com a missão de redimir a nossa pobre humanidade.
            Faço votos que tenha valido a pena e que um dia ela se veja redimida. Até lá, este mundo não passará mesmo de uma bola, como esta que meu filho Bernardo, irrompendo alegremente no escritório, me arrebata das mãos e sai chutando pela casa.


Fernando Sabino

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